CANTAR - Profissão ou Amadorismo?
30/3/2013
Fonte: Artigo publicado na Revista da SOCINPRO

Quando eu nasci, um anjo torto me disse:
Vai, Carlos! Vai ser “gauche” na vida!
(
Carlos Drummond de Andrade )

Quando eu ia nascer, um anjo sacana me perguntou:
Você quer ser Rei na sua terra, ou ter dois olhos?


Eu sou do tempo em que os cantores eram pagos para cantar na TV.

Todas as Emissoras pagavam "cachet".

Até o Fantástico da TV Globo pagava.

Para a minha geração isso era natural porque, afinal, estávamos trabalhando e nada mais justo do que receber pagamento pelo trabalho.

Em 1964 fizemos uma greve contra os baixos valores pagos e o atraso nos pagamentos por parte das TVs.

No dia 20 de outubro fizemos uma reunião no Little Club, no Beco das garrafas, em Copacabana e criamos um documento de compromisso.

De Elis Regina, Marcos Valle, Jorge Ben, Carlos Lyra, Leny Andrade, Carlos José,
Flora Purim.. a Ciro Monteiro e Dorival Caymmi, todos assinaram.

56 assinaturas.

Guardo esse documento comigo até hoje .

Foi criada uma comissão para representar os artistas e negociar com as Emissoras e eu tive a honra de fazer parte dela, junto com o Tito Madi, o Pery Ribeiro, a Silvia Telles, o Carlos José, o músico Pedro Paulo e o Wilson Simonal.

O resultado não foi o esperado, mas serviu de alerta e provocou um fato interessante:

Como estávamos irredutíveis, as Emissoras de Televisão começaram a trazer de volta os velhos ídolos que estavam esquecidos.

A TV Record de São Paulo - que era a líder de audiência na época - colocou no ar o "Bossaudade", um programa comandado pela Elizeth Cardoso e pelo Ciro Monteiro.

Foi um sucesso.

De repente uma onda de saudosismo invadiu o Brasil e boa parte da nossa história musical foi resgatada.

Foi lindo ver aqueles "monstros sagrados" ocuparem de novo o seu merecido espaço.

E tudo voltou ao normal.

Com os grandes nomes da moderna MPB censurados e até impedidos de mostrar o seu trabalho, ficou um vazio que precisava ser preenchido.

Foi então que surgiram os amadores.

Era o início dos anos 70 - sem dúvida o auge do "Show Business" no mundo todo.

O Brasil não ficou atrás.

O Rock&`n Roll invadiu a praça e a juventude aderiu na hora.

De um momento para outro surgiram centenas de grupos musicais
querendo um lugar ao sol.

Não apenas grupos de Rock, mas também - como uma grande bola de neve atropelando os anos seguintes - sertanejos, pagodeiros, funkeiros, etc....

E outras tribos.

Todos ao mesmo tempo.

Era tudo o que as gravadoras esperavam.

E assim, dentro desse cenário, a música foi transformada em "produto".

Não havia mais os conceitos de boa ou ruim.

Era: vende ou não vende.

O Diretor Comercial toma o poder do Diretor Artístico com o argumento:
"Tem que vender!"

O Diretor de "Marketing" contra argumenta: "Se não anunciar, não vende!"

Então era preciso anunciar,

Em todos os lugares. Ao mesmo tempo. A qualquer preço.

A princípio isso era feito de forma discreta e, às vezes, até “por baixo dos panos”.

Depois, passou a ser às claras, agressivamente, “profissionalmente“.

Algumas gravadoras chegavam a pagar pelo espaço nas rádios e TVs

Em 1977 gravei um álbum para a RCA e o Fantástico fez um clipe com a música "Agarre seu homem" - uma parceria minha com o Ronaldo Bôscoli ( e me pagou, é bom lembrar ) e eu comecei a visitar as rádios para divulgar o trabalho.

Numa dessas vezes um programador meu amigo me disse que não poderia me colocar na programação porque a gravadora não estava "trabalhando" o meu disco.

Foi então que percebi que as coisas estavam mudando.

Sempre que era convidado para cantar na TV, os diretores alegavam que a verba do programa era curta e daria, no máximo, para as despesas.

As gravadoras tentavam nos convencer, com o argumento de que era preciso divulgar o disco.

Os campeões de vendagem só aceitavam se as gravadoras pagassem o "cachet", no lugar das TVs.

Elas pagavam, mas, com o tempo, todos acabaram aceitando cantar de graça.

E assim, cantar deixou de ser um trabalho, um meio de vida.

Tudo virou divulgação.

Até que entra em cena a pirataria.

A venda de CDs cai em queda livre.

Os "downloads" gratuitos pela Internet, armazenados em compactadores de áudio cada vez mais poderosos, fizeram as gravadoras repensarem o mercado.

O "marketing" agressivo perde o sentido.

As rádios, acostumadas a terem os Produtores de Discos como principais anunciantes de seus "produtos", agora terão de reavaliar a sua importância nessa história e rever seus conceitos de seleção de repertório.

E  agora ( 2021 ), com a Pandemia, as dificuldades se multiplicaram.

O mercado da música encolheu.

O distanciamento social obrigou os artistas a ficarem em casa.

O comércio musical mudou de cara. Entra em cena a Internet e dificulta ( para alguns ) o acesso aos produtos musicais.

As grandes "Majors" produtoras tiveram de se adaptar. Os ganhos diminuiram. As formas de fazerem a música chegar aos consumidores se modificaram.

Porém, o "jabá" não morreu.

A corrupção parece inespugnável e, sempre, se dará um jeito de "comprar"
espaço na Mídia
.
É pena.

Todo mundo sabe que a música brasileira é uma verdadeira galinha dos ovos de ouro, com muitos ovos ainda pra botar.

Nós não podemos permitir que ela seja devorada pela insanidade comercial.

Se continuar como está, os canários e rouxinóis, num futuro bem próximo, não terão mais como sobreviver e deixarão de cantar.

E todos teremos de nos contentar com o piu- piu monótono dos pardais.

Aliás, atualmente, no Brasil, os pardais e andorinhas andam mais valorizados
que os canários e rouxinóis.

Principalmente por causa da internet e suas redes sociais, onde cada um diz o que quer.

E mostra o que tem.

E pra terminar:

     " Há  os que vivem a chorar,
          eu vivo pra cantar
          e canto pra viver "
( Paulo Cesar Pinheiro - Poeta )
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