MANGUEIRA
17/5/2013
MANGUEIRA

EMOÇÃO INDESCRITÍVEL
 
Eu sempre sonhava um dia tocar na bateria da Mangueira.

Em 1973, quando voltei a morar no Rio, tratei logo de correr atrás do meu sonho.

Comprei um tarol, pratiquei bastante, fui procurar o Jamelão e expliquei a ele o meu desejo.

Ele, com seu jeito característico, me perguntou: "Mas você toca mesmo, Silvio?
Vê lá, eim!"

Eu disse a ele que ficasse tranquilo, que eu não iria comprometer a sua recomendação.

Ele me levou a todos os Chefes de Bateria e, depois de muita batalha, fui aceito.
Que alegria!

Comecei a frequentar os ensaios e, aos poucos, fui fazendo camaradagem com os músicos, ganhando "dicas" preciosas, aprendendo a conviver num grupo tão especial como aquele.

Quando percebi que havia sido aceito numa das alas mais fechadas da Mangueira
(as outras eram: a Ala dos Compositores e a Ala das Baianas), minha responsabilidade ficou maior.

Passei a me empenhar muito mais.

Uma noite, durante o ensaio, um jovem tocador de surdo que estava a meu lado fez uma "firula", destoando do estilo tradicional da Escola.

Mestre Valdomiro, figura lendária na Mangueira e no mundo do samba, do alto dos seus setenta e tantos anos, desceu do lugar de onde regia a bateria, tomou a baqueta das mãos do garoto e deu com ela na cabeça dele com vontade.

Arrancou o instrumento de suas mãos e o expulsou dali.

O menino não esboçou nenhuma reação.

Quando ia voltando para o seu lugara,, o Mestre parou no meio do caminho, virou-se, veio até onde eu estava e me olhou de cima a baixo.

Fiquei gelado.

Depois do que tinha presenciado, esperei pelo pior.

Ele se abaixou, colocou os ouvidos pertinho do tarol e ficou escutando com toda a atenção.

Eu suava frio. Quase perdi o ritmo, mas me controlei e continuei tocando.

Ele se ergueu, me olhou mais uma vez e voltou pro seu lugar, sem dizer uma palavra.

Naquele momento, respirei aliviado, mas hoje, quando penso no que poderia ter acontecido, meu coração bate acelerado.

Durante mais alguns anos vivi o meu sonho e fiz muitas amizades naquela comunidade, que, com o tempo e a convivência, aprendi a amar e respeitar.

Hoje, Mestre Valdomiro é uma lembrança e uma saudade.

A Mangueira continua a morar no meu coração.

Tocar na sua bateria foi ( e sempre será ) uma emoção indescritível.
INDEPENDENTES